[:pb]A Federação Mundial de Associações de Saúde Pública (WFPHA – World Federation of Public Health Associations) lançou, no dia 12 de maio, uma coalizão de lideranças mundiais com o objetivo de apoiar governos na formulação de políticas na área da saúde pública. A “Public Health Leadership Coalition” defende estratégias baseadas em evidências científicas mais atualizadas nos níveis nacional e internacional para construir uma frente comum em resposta à pandemia e futuras questões globais.

Em entrevista à Croakey Health Media, organização internacional de jornalismo, o sanitarista Luis Eugenio de Souza, professor do Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA) e vice-presidente da WFPHA, destacou a importância do movimento formado pelas lideranças mundiais e os desafios para a área da saúde pública.

Leia, abaixo, a íntegra da entrevista traduzida:

P: Considerando que já temos tantas organizações de saúde, em nível local, regional e global – por que precisamos dessa coalizão? O que isso trará que ainda não temos?

Luis Eugenio de Souza: Precisamos de um tipo muito especial de coalizão: uma coalizão de lideranças, ou seja, um processo dinâmico e coletivo em que uma equipe de pessoas tecnicamente competentes, eticamente responsáveis ​​e socialmente comprometidas com o bem comum atue em conjunto para promover um trabalho democrático e comprovado – um processo de formulação de políticas informado que pode levar à implementação de intervenções eficazes de saúde pública para enfrentar a pandemia de covid-19.

P: O que queremos dizer com liderança, o que isso abrange? Existem qualidades específicas de liderança que são mais importantes durante uma pandemia?

Souza: “Liderança” pode ser definida como o conjunto de competências – conhecimentos, habilidades e aptidões – através das quais um grupo, partilhando ideias centrais, cria ou adapta uma visão a um contexto específico e permite – direta ou indiretamente – a sua implementação. Durante uma pandemia ou, mais precisamente, uma sindemia, o trabalho mais essencial de um líder é capacitar os cidadãos e as comunidades, criando mais líderes, como diria Mary Parker Follet.

P: Por que a liderança é importante e de quem é a liderança mais importante?

Souza: A liderança é tanto mais importante quanto mudanças de longo alcance são necessárias. À medida que fica claro que a humanidade não vai superar as múltiplas crises atuais – sanitárias, sociais, econômicas – sem mudar as formas insustentáveis, predatórias e injustas com que lida com a natureza e com todos os grupos sociais, a relevância e a urgência de um relacionamento liderança são evidentes.

P: Adotando uma abordagem baseada em pontos fortes, quais foram alguns dos exemplos de liderança notável durante a pandemia, e o que pode ser aprendido com esses exemplos?

Souza: Durante esta pandemia, vi exemplos muito inspiradores de liderança notável entre os povos indígenas sul-americanos. De fato, além do coronavírus, madeireiros, mineradoras, cadeias de hotéis e grileiros ameaçam os indígenas, mas eles resistem. Mobilizando seu povo, o chefe Babau disse: “Nunca tivemos paz neste país. […] Já estamos acostumados com a guerra e vamos continuar lá ”.

P: Quando falamos sobre liderança, geralmente nos referimos a hierarquias e pessoas ou instituições com poder. E quanto à liderança das comunidades durante uma pandemia; como é isso e por que isso importa?

Souza: Em um contexto de liderança política negativa, como é o caso do Brasil, onde as mais altas autoridades públicas negam a gravidade da pandemia, promovem tratamentos inseguros e ineficazes e negligenciam a produção e aquisição de vacinas, a liderança das comunidades é essencial. São muitos os exemplos de liderança comunitária nas favelas das grandes cidades da América Latina. Ao mesmo tempo que exigem uma ação efetiva do Estado, denunciando suas ações necropolíticas. As organizações comunitárias oferecem soluções para seus territórios, disseminando informações sobre como reduzir a transmissão do vírus ou como produzir e usar máscaras faciais, arrecadando doações de alimentos e produtos essenciais, encontrando formas de garantir o acesso à água potável e organizando serviços de apoio para pacientes, entre outras ações. Suas ações importam muito, porque cuidam dos mais vulneráveis, fornecem alimentos, remédios, dão esperança e força para continuar, enfim, salvam vidas.

P: E quanto à liderança pandêmica fora do setor de saúde? Por que isso é importante e quais são alguns exemplos de onde isso está funcionando bem – ou não?

Souza: Na verdade, vivemos não uma pandemia, mas uma sindemia, ou seja, um fenômeno complexo que envolve interações adversas e sinérgicas entre diferentes doenças e condições sociais precárias. Nesse contexto, a liderança fora do setor de saúde é crucial. Para superar essa situação crítica, o mundo precisa de lideranças compartilhadas e distribuídas, envolvendo pessoas e equipes dos mais diversos setores como saúde e assistência social, meio ambiente, economia, etc. O governo Biden, nos EUA, está dando um bom exemplo, articulando ações de saúde, como vacinação e suspensão de patente das vacinas covid-19, com forte investimento para enfrentar a recessão, o desemprego e outros tipos de adversidades sociais.

P: Como saberemos se esta coalizão foi bem-sucedida? Que diferença a coalizão deve querer fazer?

Souza: A “Public Health Leadership Coalition” será sido bem-sucedida se tiver contribuído com ideias e práticas de defesa para organizações multilaterais, governos nacionais e organizações da sociedade civil local para adotar e implementar políticas baseadas em evidências para combater a sindemia. Especificamente, esta coalizão terá feito a diferença se tiver contribuído para promover o acesso equitativo às vacinas Covid-19 entre e dentro dos países ou se tiver contribuído para a adoção de estratégias de eliminação em vez de mitigação da transmissão de Covid-19.[:]