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[:pb]Eu quero que todo mundo tenha o direito de andar sem medo”, revela o transexual Paulo (nome fictício), em depoimento ao pesquisador Diogo Sousa, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, no estudo que discute a saúde de homens trans na cidade de Salvador. O trabalho, resultado de uma tese de dissertação há dois anos, foi apresentado em 17 de maio, Dia Internacional contra a Homofobia, no auditório do ISC/UFBA.

Diogo Sousa, pesquisador / Foto: Egberto Siqueira

A pesquisa destaca diversas questões que envolvem o universo da transexualidade, desde a dificuldade de reconhecimento da própria identidade de gênero, até os principais dilemas dessas pessoas na busca pelos serviços de saúde na capital baiana.

Quem são

O estudo ouviu dez homens transexuais de Salvador, com idade entre 20 e 43 anos. Para preservá-los, nomes fictícios em homenagem a homens trans ativistas, personagens ou personalidades foram propostos pelo pesquisador e apresentados aos participantes. Durante as entrevistas, eles declararam não só a identidade de gênero, mas também a orientação sexual. De maioria negra, 9 afirmaram ser heterossexuais. A pesquisa também consultou a religião, escolaridade e ocupação para traçar o perfil de cada entrevistado.

O reconhecimento

“Durante muito tempo, eles viviam como lésbicas masculinizadas, mas sabiam que tinham algo a mais”, revela o pesquisador Diogo Sousa, ao se referir à dificuldade de reconhecimento de gênero entre os homens trans acompanhados pelo estudo. Segundo ele, a partir do momento em que tiveram acesso a alguma informação sobre vivências de outros transexuais, é que esse processo de descoberta começou a acontecer.

Ele observa, por exemplo, a autobiografia de João Nery, lançada em 2011, como um marco importante apontado pelos entrevistados. O psicólogo e ativista foi o primeiro transexual a se submeter a cirurgias de redesignação de gênero no Brasil, há mais de 30 anos, e morreu no ano passado, aos 68 anos.

Um dos participantes, identificado como Caetano, destacou a importância de se levar o conhecimento sobre transexualidade para as periferias. “Sem essas informações, eles nunca vão se reconhecer como homem e nunca vão conseguir dizer que são mulheres lésbicas porque não se reconhecem como mulher”. Sousa pontua que essa situação impossibilita o reconhecimento de si e de construção do plano de cuidados nos espaços de saúde de forma qualificada.

Nome Social x Atendimento

A hora de apresentar o documento pode ser a primeira barreira de acesso a um serviço de saúde enfrentada pelos homens trans. Um dos depoimentos mostrados pelo estudo denuncia preconceito e falta de preparo das equipes que prestam esse tipo de atendimento.

O entrevistado, identificado como Guilherme, conta que apresentou à emergência de um hospital o cartão do SUS com o nome social, diferente do que mostrava a identidade ainda não retificada. “Trans? Mas é igual a filha da Gretchen? Igual a Thammy?”, perguntava a atendente. Enquanto isso, outra funcionária reforçava o constrangimento ao paciente: “É menina, isso agora virou moda. Não sabe como é esse povo?”. “Eu disse que ela precisava se informar mais e ter respeito com as pessoas”, lembra Guilherme.

Para o pesquisador, a situação ilustra muito mais do que intolerância. ”É a negação do nome, da existência e da possibilidade, inclusive, de conseguir atendimento necessário para suprir sua demanda sem sofrer outra violência ali dentro”, critica.

Mudanças no corpo

Conseguir enxergar no espelho a imagem do gênero com o qual se reconhece é um dos principais dilemas para os transexuais, sejam homens ou mulheres. Mas o olhar da sociedade também pode influenciar na escolha por procedimentos, inclusive cirúrgicos, que garantam as mudanças do corpo.

As três principais técnicas utilizadas são o uso de hormônios (testosterona), as cirurgias, principalmente a retirada das mamas, e os recursos sociais/culturais na construção do gênero, como cortes de cabelo, roupas ou volumes na região genital.

Sobre a utilização dos hormônios, o pesquisador observa a dificuldade para consegui-los devido à frequente recusa dos médicos em implementar essa prática. Sem a guia para conseguir comprar na farmácia, eles acabam aderindo a meios clandestinos. “Muitas vezes em academias ou até de outros países, que não passam pela Vigilância Sanitária, ou adquiridos por terceiros em farmácias, mas que chegam para eles 3 a 4 vezes do preço original”.

Mas segundo Sousa, essas práticas de mudanças corporais não são aplicadas a todos os homens pesquisados, que muitas vezes são cobrados a fazerem cirurgia de construção do pênis (neofalosplastia) por outras pessoas. “Os estudos dizem que esse tipo de cirurgia não traz 100% de funcionalidade e aceitação do corpo. Então é muito arriscado fazer”, pondera.

Violências

Para o pesquisador, as modificações corporais para o masculino também estão relacionadas ao fato de protegê-los contra certos tipos de ataques nas ruas, situação vivenciada quando apontados como gays. Nesse último caso, a homofobia assume o lugar da transfobia.

Por outro lado, quando identificados como homens negros, também continuam a sofrer violência. “Aí eles passam a ser lidos como sujeitos produtores de risco social. Passam a ser abordados mais pela polícia e sofrer mais ataques”, explica Sousa.

Mas, segundo ele, outras violências se revelam em cada situação. “Antes, na condição de serem lidos enquanto mulheres negras, impunha-se a hipersexualização e objetificação dos seus corpos. Quando lidos como homens negros, o fetiche gira em torno do seu órgão genital, marca do imaginário social sobre o corpo do homem negro. É a marca do racismo na construção das identidades dos homens trans.”, completa.

Caminhos

Até o ano passado, o termo “transexualismo” fazia parte da categoria de distúrbios mentais na Classificação Internacional de Doenças (CID) pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A mudança aconteceu 28 anos depois que a homossexualidade deixou de receber a mesma classificação.

“Mas nós ainda não conseguimos ultrapassar as barreiras da patologização, seja da sexualidade, seja das identidades trans. Precisamos combater a transfobia estrutural e institucional, superando os obstáculos que se apresentam aos direitos das pessoas trans”, conclui o pesquisador.

 [:en]I want everyone to have the right to walk without fear,” says transsexual Paulo (not her real name), in a statement to researcher Diogo Sousa, from the UFBA Institute of Collective Health, in a study that discusses the health of trans men in the city. from Salvador. The work, the result of a dissertation thesis two years ago, was presented on May 17, International Day against Homophobia, in the ISC / UFBA auditorium.

Diogo Sousa, researcher / Photo: Egberto Siqueira

The research highlights several issues involving the universe of transsexuality, from the difficulty of recognizing their own gender identity, to the main dilemmas of these people in the search for health services in the Bahian capital.

Who are

The study heard ten transgender men from Salvador, aged 20 to 43 years. To preserve them, fictitious names in honor of trans activist men, characters or personalities were proposed by the researcher and presented to the participants. During the interviews, they stated not only gender identity but also sexual orientation. Mostly black, 9 said they were heterosexual. The survey also consulted religion, education and occupation to profile each respondent.

The acknowledgment

“For a long time, they lived as masculinized lesbians, but they knew they had something more,” says researcher Diogo Sousa, referring to the difficulty of gender recognition among trans men accompanied by the study. According to him, once they had access to some information about the experiences of other transsexuals, this discovery process began to happen.

He notes, for example, João Nery’s autobiography, released in 2011, as an important milestone pointed out by respondents. The psychologist and activist was the first transsexual to undergo gender reassignment surgery in Brazil over 30 years ago and died last year at the age of 68.

One of the participants, identified as Caetano, highlighted the importance of bringing knowledge about transsexuality to the peripheries. “Without this information, they will never recognize themselves as men and will never be able to say that they are lesbian women because they do not recognize themselves as women.” Sousa points out that this situation makes it impossible to recognize oneself and build the care plan in health spaces in a qualified way.

Social Name x Service

Presenting the document may be the first barrier to access to a health service faced by trans men. One of the statements shown by the study denounces prejudice and lack of preparation of the teams that provide this type of care.

The interviewee, identified as Guilherme, says that he presented to the emergency of a hospital the SUS card with the social name, different from what showed the identity not yet rectified. “Trans? But is it just like Gretchen’s daughter? Like Thammy? ”The clerk asked. Meanwhile, another employee reinforced the patient’s embarrassment: “It’s a girl, this has now become fashionable. Don’t you know what these people are like? “I said she needed to know more and have respect for people,” recalls Guilherme.

For the researcher, the situation illustrates much more than intolerance. “It is the negation of the name, the existence and the possibility, even, of getting the necessary care to supply its demand without suffering other violence inside”, criticizes.

Body changes

Being able to see in the mirror the gender image with which one recognizes oneself is one of the main dilemmas for transsexuals, whether men or women. But society’s gaze can also influence the choice of procedures, including surgical ones, that ensure body changes.

The three main techniques used are the use of hormones (testosterone), surgeries, especially breast removal, and social / cultural resources in gender construction, such as haircuts, clothing or volumes in the genital region.

Regarding the use of hormones, the researcher notes the difficulty to achieve them due to the frequent refusal of doctors to implement this practice. Without the guide to buy at the pharmacy, they end up clandestine. “Often in gyms or even in other countries, which do not go through Health Surveillance, or purchased by third parties in pharmacies, but come to them 3 to 4 times the original price.”

But according to Sousa, these body-changing practices are not applied to all men surveyed, who are often charged with having penis-building surgery (neophalasplasty) by other people. “Studies say this type of surgery does not bring 100% body functionality and acceptance. So it’s very risky to do, ”he ponders.

Violence

For the researcher, body modifications for men are also related to the fact that they protect them against certain types of street attacks, a situation experienced when referred to as gay. In the latter case, homophobia takes the place of transphobia.

On the other hand, when identified as black men, they also continue to suffer violence. “Then they start to be read as social risk producers. They are being approached more by the police and suffer more attacks ”, explains Sousa.

But, according to him, other violence is revealed in each situation. “Before, as long as they were read as black women, it was necessary to hypersexualize and objectify their bodies. When read as black men, the fetish revolves around his genital organ, the hallmark of social imagery about the black man’s body. It is the hallmark of racism in the construction of the identities of trans men. ”

Ways

Until last year, the term “transsexualism” was part of the category of mental disorders in the International Classification of Diseases (ICD) by the World Health Organization (WHO). The change came 28 years after homosexuality no longer received the same rating.

“But we are still unable to overcome the barriers of pathologization, be it sexuality or trans identity. We need to combat structural and institutional transphobia by overcoming the obstacles to transgender people’s rights, ”concludes the researcher.[:es]Quiero que todos tengan derecho a caminar sin miedo”, dice la transexual Paulo (no es su nombre real), en un comunicado al investigador Diogo Sousa, del Instituto de Salud Colectiva de la UFBA, en un estudio que analiza la salud de los hombres trans en la ciudad. de Salvador El trabajo, resultado de una tesis de disertación hace dos años, fue presentado el 17 de mayo, Día Internacional contra la Homofobia, en el auditorio ISC / UFBA.

Diogo Sousa, investigador / Foto: Egberto Siqueira

La investigación destaca varios problemas relacionados con el universo de la transexualidad, desde la dificultad de reconocer su propia identidad de género, hasta los principales dilemas de estas personas en la búsqueda de servicios de salud en la capital de Bahía.

Quienes son

El estudio escuchó a diez hombres transgénero de Salvador, de entre 20 y 43 años. Para preservarlos, el investigador propuso nombres ficticios en honor de hombres, personajes o personalidades activistas trans y se los presentó a los participantes. Durante las entrevistas, declararon no solo la identidad de género sino también la orientación sexual. Mayormente negros, 9 dijeron que eran heterosexuales. La encuesta también consultó religión, educación y ocupación para perfilar a cada encuestado.

Reconocimiento

“Durante mucho tiempo, vivieron como lesbianas masculinizadas, pero sabían que tenían algo más”, dice el investigador Diogo Sousa, refiriéndose a la dificultad de reconocimiento de género entre los hombres trans acompañados por el estudio. Según él, una vez que tuvieron acceso a cierta información sobre las experiencias de otros transexuales, este proceso de descubrimiento comenzó a suceder.

Señala, por ejemplo, la autobiografía de João Nery, publicada en 2011, como un hito importante señalado por los entrevistados. La psicóloga y activista fue la primera transexual en someterse a una cirugía de reasignación de género en Brasil durante más de 30 años, y murió el año pasado a la edad de 68 años.

Uno de los participantes, identificado como Caetano, destacó la importancia de llevar el conocimiento sobre la transexualidad a las periferias. “Sin esta información, nunca se reconocerán como hombres y nunca podrán decir que son mujeres lesbianas porque no se reconocen como mujeres”. Sousa señala que esta situación hace que sea imposible reconocerse a uno mismo y construir el plan de atención en los espacios de salud de manera calificada.

Nombre social x servicio

La presentación del documento puede ser la primera barrera para acceder a un servicio de salud que enfrentan los hombres trans. Una de las declaraciones mostradas por el estudio denuncia los prejuicios y la falta de preparación de los equipos que brindan este tipo de atención.

El entrevistado, identificado como Guilherme, dice que presentó a la emergencia de un hospital la tarjeta SUS con el nombre social, diferente de lo que mostraba la identidad aún no rectificada. “Trans? ¿Pero es como la hija de Gretchen? ¿Como Thammy? ”Preguntó el empleado. Mientras tanto, otro empleado reforzó la vergüenza del paciente: “Es una niña, esto ahora se ha puesto de moda. ¿No sabes cómo son estas personas? “Dije que necesitaba saber más y respetar a las personas”, recuerda Guilherme.

Para el investigador, la situación ilustra mucho más que intolerancia. “Es la negación del nombre, la existencia y la posibilidad, incluso, de obtener la atención necesaria para satisfacer su demanda sin sufrir otra violencia en el interior”, critica.

Cambios en el cuerpo

Poder ver en el espejo la imagen de género con la que uno se reconoce es uno de los principales dilemas para los transexuales, ya sean hombres o mujeres. Pero la mirada de la sociedad también puede influir en la elección de los procedimientos, incluidos los quirúrgicos, que aseguran los cambios corporales.

Las tres técnicas principales utilizadas son el uso de hormonas (testosterona), cirugías, especialmente la extracción de senos y recursos sociales / culturales en la construcción de género, como cortes de cabello, ropa o volúmenes en la región genital.

Con respecto al uso de hormonas, el investigador señala la dificultad para lograrlas debido a la negativa frecuente de los médicos a implementar esta práctica. Sin la guía para comprar en la farmacia, terminan siendo clandestinos. “A menudo en gimnasios o incluso en otros países, que no pasan por la Vigilancia de la Salud, o que los compran terceros en farmacias, pero llegan a ellos de 3 a 4 veces el precio original”.

Pero según Sousa, estas prácticas de cambio de cuerpo no se aplican a todos los hombres encuestados, que a menudo son acusados ​​de someterse a una cirugía de construcción del pene (neophalasplasty) por otras personas. “Los estudios dicen que este tipo de cirugía no brinda una funcionalidad y aceptación del 100% del cuerpo. Entonces es muy arriesgado hacerlo ”, reflexiona.

Violencia

Para el investigador, las modificaciones corporales para los hombres también están relacionadas con el hecho de que los protegen contra ciertos tipos de ataques callejeros, una situación que se experimenta cuando se los identifica como homosexuales. En el último caso, la homofobia toma el lugar de la transfobia.

Por otro lado, cuando se los identifica como hombres negros, también continúan sufriendo violencia. “Luego comienzan a ser leídos como productores de riesgo social. La policía los aborda cada vez más y sufren más ataques ”, explica Sousa.

Pero, según él, se revela otra violencia en cada situación. “Antes, mientras fueran leídos como mujeres negras, era necesario hipersexualizar y objetivar sus cuerpos. Cuando se lee como hombres negros, el fetiche gira en torno a su órgano genital, el sello distintivo de las imágenes sociales sobre el cuerpo del hombre negro. Es el sello distintivo del racismo en la construcción de las identidades de los hombres trans ”.

Caminos

Hasta el año pasado, el término “transexualismo” formaba parte de la categoría de trastornos mentales en la Clasificación Internacional de Enfermedades (CIE) de la Organización Mundial de la Salud (OMS). El cambio se produjo 28 años después de que la homosexualidad ya no recibiera la misma calificación.

“Pero aún no podemos superar las barreras de la patologización, ya sea sexualidad o identidad trans. Necesitamos combatir la transfobia estructural e institucional superando los obstáculos a los derechos de las personas transgénero ”, concluye el investigador.[:]