Um estudo realizado pelo MUSA – Programa Integrado de Pesquisa e Cooperação Técnica em Gênero e Saúde do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da UFBA em conjunto com o Grupo Curumim – Gestação e Parto e o Ipas Brasil analisa serviços de saúde e identifica barreiras para a realização do aborto legal na Bahia durante a pandemia de Covid-19. Entre as dificuldades enfrentadas para acesso ao aborto previsto em lei, as autoras destacam falta de informação, pouca visibilidade, deficiências na estrutura física, além de recusas infundadas ao atendimento às pacientes.

A pesquisa tem como foco a realidade de três unidades de saúde localizadas no estado da Bahia que ofereceram o serviço de interrupção legal da gravidez em 2020 e 2021. O trabalho envolveu dados de sistemas de informações do Ministério da Saúde e uma investigação qualitativa nos serviços, com a realização de entrevistas com 17 profissionais de saúde e com responsáveis pela gestão das unidades. Duas mulheres que realizaram o aborto legal após sofrerem violência sexual também foram entrevistadas.

O estudo expõe que há um número reduzido de serviços para o aborto legal no estado, cenário não muito diferente do encontrado na região Nordeste e no resto do país. “O Nordeste brasileiro tem 1.794 municípios e apenas 24 deles (menos de 2% do total) cadastraram 44 serviços que, a priori, dão assistência nos casos de abortamento previsto em lei. A maioria desses serviços atende somente nos casos de gravidez resultante de estupro. Os serviços cadastrados no CNES/DATASUS, em geral, estão concentrados nas capitais de seus estados”, afirma Paula Viana, coordenadora do Grupo Curumim. A Bahia cadastrou 15 serviços em sete municípios, sendo que Salvador sedia oito destes.

Viana aponta que a escassez e a centralização dos serviços se somam à falta de informação sobre eles – a pesquisa constatou que há pouca visibilidade mesmo ao interior dos hospitais/maternidades que abrigam os serviços, além do desconhecimento de direitos. Para a pesquisadora, esse conjunto de problemas crônicos já se mostrava como “uma grande dívida do Estado Brasileiro perante sua população” mesmo antes da pandemia.

Foram identificados também problemas na estrutura física dos hospitais que prestam os serviços, nos quais as pessoas atendidas, muitas vezes, são obrigadas a dividir o mesmo ambiente com mulheres em trabalho de parto.

Prazos e desconfiança limitam acesso

O estabelecimento de limites de tempos gestacionais para a realização da interrupção da gravidez é uma barreira significativa, aponta a pesquisa. Além da legislação atual, o Código Penal de 1940, não estabelecer prazo para o acesso ao aborto legal para as vítimas de violência sexual, o novo Guia da Organização Mundial da Saúde (OMS), lançado em março de 2022, recomenda que o limite de prazo gestacional para a realização do aborto nos serviços de saúde seja eliminado. A medida tem como objetivo garantir o acesso ao aborto para as pessoas que estejam no segundo trimestre de gestação e para aquelas que vivem em áreas remotas.

Outras dificuldades para a realização do aborto legal nas unidades baianas apontadas pelo estudo são a Objeção de Consciência – invocação de uma obrigação ou proibição, baseada em convicção religiosa, política, ética ou moral do indivíduo, como justificativa para que este não cumpra um dever imposto por lei – e a desconfiança de profissionais em relação à palavra da paciente. “A Objeção de Consciência da/o profissional de Medicina pode ocorrer de diversas formas, desde a negação total, não realizar nenhuma etapa do procedimento, até a postergação da atenção. Uma problemática bastante complexa que produz impactos negativos para a organização e para a atenção prestada pelos serviços”, explica Paloma Silveira, pesquisadora do MUSA.

A pesquisa também identificou outras situações de violência institucional. “Essas estão relacionadas à falta de capacitação permanente das/os profissionais de saúde e de outros/as funcionários/as do hospital/maternidade onde os serviços estão abrigados, outra dificuldade/desafio apontado pelo nosso estudo”, diz Silveira.

A pesquisadora destaca também alguns avanços, como a existência de equipes multiprofissionais composta por profissionais de Psicologia, Serviço Social, Medicina e Enfermagem; o reconhecimento dessa equipe sobre a importância dos serviços; uma maior divulgação dos serviços no site da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) e a criação do Fórum Estadual sobre Aborto Legal da Bahia.

Para acessar o resumo executivo da pesquisa “Barreiras de acesso ao aborto legal na Bahia no período da pandemia da COVID-19: 2020 e 2021”, clique em: http://www.isc.ufba.br/wp-content/uploads/2023/04/Barreiras-de-acesso-ao-aborto-legal-na-Bahia-RESUMO-EXECUTIVO.pdf

Confira também a versão em inglês: http://www.isc.ufba.br/wp-content/uploads/2023/04/Barreiras-de-acesso-ao-aborto-legal-na-Bahia_RESUMO-EXECUTIVO-ENG_100323.pdf