Da esquerda para a direita: Manuel Cochole Paulo Gomane, doutorando em Filosofia pela UFBA; Jonas Baltazar Daniel, doutorando em Saúde Coletiva do ISC; Edson de Andrade Nhamuave, mestrando em Saúde Coletiva do ISC

[:pb]

Depois de ser afetado pelo ciclone Idai, em março deste ano, que matou mais de mil pessoas e afetou mais de 3 milhões, Moçambique foi novamente atingido por outro fenômeno meteorológico no mês de abril: o ciclone Kenneth. Desde então, o país africano vem enfrentando surtos de cólera, provocados pelas inundações, e aumentou o alerta para conhecidos problemas. Sensibilizados com a situação, estudantes moçambicanos da Universidade Federal da Bahia (UFBA) realizaram um seminário no Instituto de Saúde Coletiva (ISC), no dia 28 de junho, para discutir os principais desafios do país na área da saúde.

O evento foi coordenado pelo vice-reitor da UFBA, Paulo Miguez, que viveu 11 anos em Moçambique. “Desfrutei da generosidade, do acolhimento, do carinho de moçambicanos, mas também acompanhei um problema de ordem epidemiológica terrível que foi a guerra, a violência. A fome também estava ao meu lado”, declarou na abertura.

Durante o seminário, os alunos apresentaram um panorama sobre a geografia e a história de Moçambique, que conquistou a independência há 44 anos, e enfrentou uma longa guerra civil até 1992, ano em que foi assinado o Acordo de Paz. “Moçambique nasceu da resistência. Somos um país onde a maior epidemia é a guerra”, destacou o estudante Manuel Cochole Paulo Gomane, doutorando em Filosofia pela UFBA. Ele também chamou atenção para a instabilidade que a guerra impôs ao país. “Podemos resistir aos fenômenos humanos, mas nos tornamos frágeis em relação aos desastres naturais”.

Avanços

De acordo com a Constituição de 1975, revisada em 2004, “todos os cidadãos têm direito à assistência médica e sanitária” em Moçambique. Nas últimas décadas, os números mostram crescimento na qualidade de vida da população. De 1990 a 2018, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) subiu de 0,209 para 0,416. Apesar disso, o país ainda é considerado de baixo IDH, ocupando a 180ª posição no ranking global.

Já a expectativa de vida passou de 43 anos para, aproximadamente, 59 anos. “Nós tivemos uma ligeira melhora em relação a outros país africanos”, observa o estudante Jonas Baltazar Daniel, doutorando em Saúde Coletiva do ISC.  Mas ele também lembra que os números são mais favoráveis para a população que mora nas áreas urbanas do país.

Também houve redução da incidência de malária para menores de 5 anos, que caiu de 53% para 42% entre 2012 e 2016. Jonas destaca ainda a participação da medicina tradicional nesse contexto, que vem deixando de ser marginalizada pelas ações governamentais. O Ministério da Saúde de Moçambique chegou, inclusive, a criar um Instituto de Medicina Tradicional, para fazer a ponte entre o hospital e os “curandeiros”. “A experiência mostrou que, ao invés de expulsar, é preciso trazê-los para o sistema”.

Desde 2014, o país aprovou ainda a descriminalização do aborto, além da descriminalização da homossexualidade, considerada crime em boa parte do continente africano.

Obstáculos

Moçambique está entre os países com maiores taxas de HIV no mundo. Em 2017, a prevalência do vírus da aids era de 12,5% entre adultos de 15 a 49 anos. Desses, 55% fazem o tratamento com o uso de antirretrovirais. Para o estudante Edson de Andrade Nhamuave, mestrando em Saúde Coletiva do ISC, existe uma clara subnotificação em relação aos homens. “Em sua maioria, eles não procuram pelos serviços. Além disso, quando são diagnosticados, acabam não revelando o estado sorológico às mulheres”.

Edson também aponta para a submissão da mulher ao homem, algo generalizado no país, responsável pela maior vulnerabilidade delas à infecção. Um exemplo disso são os rituais, que apesar de estarem em desuso, continuam sendo praticados em algumas regiões de Moçambique. No Norte, as mulheres são submetidas à mutilação sexual logo após a primeira menstruação. No Centro e no Sul, existe um ritual que obriga a viúva a manter relações sexuais, não protegidas, com o cunhado, ou alguém alugado pela família do falecido, para purificá-la.  Caso se recuse, a viúva pode perder os bens.

Práticas de iniciação masculina também podem ser encontradas no país. Através do “unhago”, celebração mais importante do povo Yao, na província moçambicana, meninos de 5 a 10 anos são circuncidados com facas sem esterilização, de forma coletiva, o que aumenta o risco de infecção pelo HIV. Para combater os rituais, o Ministério da Saúde de Moçambique tenta conscientizar as pessoas sobre os riscos da iniciação. “Tem gente que abandona e tem gente que apoia como uma defesa à identidade do povo”.

Diante de todo esse cenário, Edson destaca a necessidade de se criar em Moçambique um sistema de banco de dados que permita acesso aos pesquisadores, o que ampliaria o número de pesquisas na área da saúde. Para ele, é preciso expandir também a rede sanitária, reduzindo as distâncias na busca por atendimento. “Precisamos superar ainda a falta de medicamentos, a desnutrição crônica, além da gravidez precoce”, concluiu.

Campanha

Desde abril, a UFBA promove uma campanha para arrecadar doações a Moçambique. Através da conta UFBA MOÇAMBIQUE – Banco do Brasil, Agência 3832-6, conta corrente 37248-X – os estudantes, pessoal técnico-administrativo e professores, assim como os demais interessados, podem ajudar os milhares de cidadãos afetados pelos ciclones.

A ideia da campanha surgiu após reuniões entre um grupo de estudantes de Moçambique e o vice-reitor Paulo Miguez. O valor arrecadado será canalizado à Cruz Vermelha e à Fundação Fernando Leite Couto, presidida pelo escritor moçambicano Mia Couto.[:en]After being affected by cyclone Idai in March this year, which killed more than 1,000 people and affected more than 3 million, Mozambique was again hit by another weather phenomenon in April: cyclone Kenneth. Since then, the African country has been experiencing cholera outbreaks caused by the floods and has raised awareness of known problems. Sensitized by the situation, Mozambican students from the Federal University of Bahia (UFBA) held a seminar at the Institute of Collective Health (ISC) last month to discuss the country’s main health challenges.

The event was coordinated by UFBA Vice Rector Paulo Miguez, who lived 11 years in Mozambique. “I enjoyed the generosity, the welcome, the affection of Mozambicans, but I also followed a terrible epidemiological problem that was war, violence. Hunger was also by my side, ”he said at the opening.

During the seminar, students presented an overview of the geography and history of Mozambique, which gained independence 44 years ago, and faced a long civil war until 1992, the year the Peace Agreement was signed. . We are a country where the greatest epidemic is war, ”said student Manuel Cochole Paulo Gomane, PhD student in Philosophy at UFBA. He also drew attention to the instability that the war imposed on the country. “We can resist human phenomena, but we become fragile about natural disasters.”

Health scenario

Since the 1975 Constitution, revised in 2004, “all citizens have the right to medical and health care” in Mozambique. In recent decades, the numbers show growth in the population’s quality of life. From 1990 to 2018, the Human Development Index (HDI) rose from 0.209 to 0.416. Despite this, the country is still considered low in HDI, occupying the 180th position in the global ranking.

Already the life expectancy went from 43 years to approximately 59 years. “We have had a slight improvement over other African countries,” noted student Jonas Baltazar Daniel, a PhD student in Collective Health at ISC. But he also points out that the numbers are more favorable for the population living in urban areas of the country.

There was also a reduction in the incidence of malaria for children under 5 years, which fell from 53% to 42% between 2012 and 2016. Jonas also highlights the participation of traditional medicine in this context, which is no longer marginalized by government actions. The Mozambican Ministry of Health has even set up an Institute of Traditional Medicine to bridge the gap between the hospital and the “healers”. “Experience has shown that rather than expelling, you need to bring them into the system.”

Since 2014, the country has also approved the decriminalization of abortion, in addition to the decriminalization of homosexuality, considered a crime in much of the African continent.

Obstacles

Mozambique is among the countries with the highest rates of HIV in the world. In 2017, the prevalence of the AIDS virus was 12.5% ​​among adults aged 15 to 49 years. Of these, 55% are treated with antiretrovirals. For student Edson de Andrade Nhamuave, Master’s student in Public Health at ISC, there is a clear underreporting in relation to men. “Most of them don’t look for services. In addition, when they are diagnosed, they do not reveal their HIV status to women. ”

Edson also points to the submission of women to men, something widespread in the country, responsible for their greater vulnerability to infection. An example of this is the rituals, which although in disuse, continue to be practiced in some regions of Mozambique. In the North, women undergo sexual mutilation soon after their first menstruation. In the Center and South, there is a ritual that forces the widow to have unprotected sex with her brother-in-law, or someone rented by the deceased’s family, to purify her. If she refuses, the widow may lose the property.

Male initiation practices can also be found in the country. Through the “unhago”, Yao’s most important celebration in the Mozambican province, boys aged 5 to 10 are circumcised with knives without sterilization, collectively, which increases the risk of HIV infection. To combat rituals, the Mozambican Ministry of Health tries to make people aware of the risks of initiation. “There are people who leave and there are people who support as a defense of the people’s identity.”

Faced with this scenario, Edson highlights the need to create in Mozambique a database system that allows researchers access, which would increase the number of health research. For him, it is also necessary to expand the health network, reducing the distances in the search for care. “We still need to overcome the lack of medicines, chronic malnutrition, and early pregnancy,” he concluded.

Campaign

Since April, UFBA has been promoting a campaign to raise donations to the country. Through the UFBA MOÇAMBIQUE account – Banco do Brasil, Branch 3832-6, current account 37248-X – students, technical and administrative staff and teachers, like everyone else, can help the thousands of citizens affected by cyclones.

The idea of the campaign came after meetings between a group of students from Mozambique and Vice-Chancellor Paulo Miguez. The proceeds will go to the Red Cross and the Fernando Leite Couto Foundation, chaired by the Mozambican writer Mia Couto.[:es]Después de ser afectado por el ciclón Idai en marzo de este año, que mató a más de 1,000 personas y afectó a más de 3 millones, Mozambique fue nuevamente golpeado por otro fenómeno climático en abril: el ciclón Kenneth. Desde entonces, el país africano ha experimentado brotes de cólera causados ​​por las inundaciones y ha sensibilizado sobre los problemas conocidos. Sensibilizados por la situación, los estudiantes mozambiqueños de la Universidad Federal de Bahía (UFBA) realizaron un seminario en el Instituto de Salud Colectiva (ISC) el mes pasado para discutir los principales desafíos de salud del país.

El evento fue coordinado por el vicerrector de la UFBA, Paulo Miguez, quien vivió 11 años en Mozambique. “Disfruté de la generosidad, la bienvenida, el afecto de los mozambiqueños, pero también seguí un terrible problema epidemiológico que fue la guerra, la violencia. El hambre también estaba a mi lado ”, dijo en la inauguración.

Durante el seminario, los estudiantes presentaron una visión general de la geografía y la historia de Mozambique, que se independizó hace 44 años, y se enfrentaron a una larga guerra civil hasta 1992, año en que se firmó el Acuerdo de Paz. . Somos un país donde la mayor epidemia es la guerra “, dijo el estudiante Manuel Cochole Paulo Gomane, estudiante de doctorado en Filosofía de la UFBA. También llamó la atención sobre la inestabilidad que la guerra impuso al país. “Podemos resistir los fenómenos humanos, pero nos volvemos frágiles ante los desastres naturales”.

Escenario de salud

Desde la Constitución de 1975, revisada en 2004, “todos los ciudadanos tienen derecho a la atención médica y de salud” en Mozambique. En las últimas décadas, las cifras muestran un crecimiento en la calidad de vida de la población. De 1990 a 2018, el Índice de Desarrollo Humano (IDH) aumentó de 0.209 a 0.416. A pesar de esto, el país aún se considera bajo en IDH, ocupando la posición 180 en el ranking mundial.

Ya la esperanza de vida pasó de 43 años a aproximadamente 59 años. “Hemos tenido una leve mejoría con respecto a otros países africanos”, señaló el estudiante Jonas Baltazar Daniel, un estudiante de doctorado en salud colectiva en ISC. Pero también señala que los números son más favorables para la población que vive en áreas urbanas del país.

También hubo una reducción en la incidencia de malaria en niños menores de 5 años, que se redujo de 53% a 42% entre 2012 y 2016. Jonas también destaca la participación de la medicina tradicional en este contexto, que ya no está marginada por las acciones del gobierno. El Ministerio de Salud de Mozambique incluso ha establecido un Instituto de Medicina Tradicional para cerrar la brecha entre el hospital y los “curanderos”. “La experiencia ha demostrado que, en lugar de expulsar, debes introducirlos en el sistema”.

Desde 2014, el país también ha aprobado la despenalización del aborto, además de la despenalización de la homosexualidad, considerado un delito en gran parte del continente africano.

Obstáculos

Mozambique se encuentra entre los países con las tasas más altas de VIH en el mundo. En 2017, la prevalencia del virus del SIDA fue del 12,5% entre los adultos de 15 a 49 años. De estos, el 55% son tratados con antirretrovirales. Para el estudiante Edson de Andrade Nhamuave, estudiante de maestría en salud pública en el ISC, hay un informe claro en relación con los hombres. “La mayoría de ellos no buscan servicios. Además, cuando se diagnostican, no revelan su estado de VIH a las mujeres “.

Edson también señala la sumisión de mujeres a hombres, algo generalizado en el país, responsable de su mayor vulnerabilidad a la infección. Un ejemplo de esto son los rituales que, aunque en desuso, continúan practicándose en algunas regiones de Mozambique. En el Norte, las mujeres sufren mutilación sexual poco después de su primera menstruación. En el centro y el sur, hay un ritual que obliga a la viuda a tener relaciones sexuales sin protección con su cuñado, o alguien alquilada por la familia del difunto, para purificarla. Si ella se niega, la viuda puede perder la propiedad.

Las prácticas de iniciación masculinas también se pueden encontrar en el país. A través del “unhago”, la celebración más importante de Yao en la provincia de Mozambique, los niños de 5 a 10 años son circuncidados con cuchillos sin esterilización, colectivamente, lo que aumenta el riesgo de infección por VIH. Para combatir los rituales, el Ministerio de Salud de Mozambique trata de que las personas tomen conciencia de los riesgos de la iniciación. “Hay personas que se van y hay personas que apoyan como defensa de la identidad de las personas”.

Ante esta situación, Edson destaca la necesidad de crear en Mozambique un sistema de base de datos que permita el acceso de los investigadores, lo que aumentaría el número de investigaciones de salud. Para él, también es necesario ampliar la red de salud, reduciendo las distancias en la búsqueda de atención. “Todavía tenemos que superar la falta de medicamentos, la desnutrición crónica y el embarazo precoz”, concluyó.

Campaña

Desde abril, la UFBA ha estado promoviendo una campaña para recaudar donaciones al país. A través de la cuenta de UFBA MOÇAMBIQUE – Banco do Brasil, Sucursal 3832-6, cuenta corriente 37248-X – los estudiantes, el personal técnico y administrativo y los maestros, como todos los demás, pueden ayudar a los miles de ciudadanos afectados por los ciclones.

La idea de la campaña surgió después de las reuniones entre un grupo de estudiantes de Mozambique y el vicecanciller Paulo Miguez. Los ingresos se destinarán a la Cruz Roja y la Fundación Fernando Leite Couto, presidida por la escritora mozambiqueña Mia Couto.[:]