Carla Gisele Batista é autora do livro “Ação feminista em defesa do aborto: movimento e instituição”

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Em 28 de setembro, é comemorado o dia mundial na luta pela descriminalização e pela legalização do aborto. Para discutir o tema, o Programa Integrado de Pesquisa e Cooperação Técnica em Gênero e Saúde (MUSA) entrevistou Carla Gisele Batista, autora do livro “Ação feminista em defesa do aborto: movimento e instituição”, lançado na última sexta-feira, dia 27,  no auditório do ISC/UFBA.

Carla é formada em História pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) e mestra em estudos sobre mulheres, gênero e feminismo pelo PPGNEIM/UFBA. Educadora popular, pesquisadora e militante feminista, publica a coluna Mulheres em Movimento na Folha de Pernambuco.

MUSA: Qual é a importância do dia 28 de setembro, data global de luta pela descriminalização e pela legalização do aborto, no contexto atual do país?

Carla: Datas como esta chamam a atenção para um trabalho cotidiano feito pelos movimentos de mulheres e feministas em defesa da saúde, dos direitos sexuais e reprodutivos. A luta pelo direito ao aborto é fundamental porque, se por um lado corresponde à autonomia sobre o próprio corpo e livre exercício da sexualidade, por outro se refere à necessidade de vivenciar a maternidade como um direito e não como imposição. Isto significa ter acesso à informação e meios para planejar a reprodução e, no caso da falha destes, poder decidir pela interrupção da gravidez indesejada de forma segura e saudável. Nos casos de maternidade desejada,  não ser exposta à violência obstétrica é um ideal a ser perseguido, por isso o repúdio à Resolução nº 2232 do Conselho Federal de Medicina, publicada em julho de 2019. Significa ainda poder criar filhos/as em condições adequadas. Isto inclui, como nos chamam a atenção os movimentos de mulheres negras, não estar permanentemente preocupada se eles/as voltarão para casa com vida.

No contexto atual, as autoridades máximas estão empenhadas em impor um projeto religioso conservador, anti-direitos e violento para o país, tendo como focos principais as mulheres, população LGBTI, negros e indígenas. Em nome de uma moral por eles estabelecida, estes dirigentes atuam para restringir direitos já conquistados e evitar qualquer avanço no campo dos direitos humanos e da democracia, isto é, da convivência respeitosa entre diversidades presentes na nossa sociedade. Não quero dizer com isso que vivíamos numa situação ideal, mas é inegável que com o processo de democratização, pós ditadura militar,  crescia a noção de direito a perpassar o tecido social, o que está em franco retrocesso neste momento.

Há, no entanto, resistência crescente. Um exemplo são os coletivos de jovens feministas espalhados por todo o país que, ao mesmo tempo em que se organizam, estabelecem redes de solidariedade e sustentação. Nesta semana do 28 de setembro, acontecerão os festivais pela vida das mulheres em todo o país, promovidos por integrantes da Frente Nacional pela não criminalização das mulheres e pela legalização do aborto. E uma boa notícia de ontem (25) é que, apesar do crescimento das forças conservadoras na nossa região, foi legalizado o aborto até 12 semanas pelo Congresso  do estado mexicano de Oaxaca. Por 24 votos a favor e 10 contrários, a Constituição foi modificada. Este acontecimento é motivo de comemoração e renovação das energias para seguir lutando.

MUSA: Como surgiu o livro que você lança neste momento em Salvador?

Carla: O livro é resultado de pesquisa realizada para grau de mestrado do PPGNEIM/UFBA. O interesse pelo tema vem da minha militância. Desde a década de 90, atuo no movimento feminista e na defesa da saúde, dos direitos sexuais e reprodutivos. O trabalho é um registro da história política recente, tendo como centro os dois governos do presidente Lula e a abertura de novos canais de diálogo entre movimentos e Executivo a partir da criação de uma Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres e da realização das conferências de políticas para mulheres (CNPM). Nele, busquei sistematizar as formas de atuação dos movimentos na busca pela mudança da legislação que criminaliza o aborto no Brasil, tanto a partir da aprovação desta demanda nas I e II CNPMs (Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres), o que resultou na criação de uma Comissão Tripartite com este objetivo, assim como na defesa de novos permissivos, caso da anencefalia junto ao Supremo Tribunal Federal. Abordo também a organização das forças conservadoras que, se naquele momento não estavam tão evidentes como agora, já tinham na usurpação dos direitos das mulheres constituído um capital para fortalecimento de projeto político.

A pesquisa foi através de documentos e de entrevistas com integrantes de diversos campos dos movimentos feministas, o que permitiu ressaltar tensões políticas presentes nas escolhas táticas destes campos e interpretações sobre aquela conjuntura. Busquei, ainda, compreender o recuo governamental diante das contingências impostas pelo escândalo do mensalão. Tentei, a partir do distanciamento permitido pelo período acadêmico, demonstrar a contribuição do sujeito político feminista para o debate sobre democratização da sociedade e das instituições.

MUSA: Qual a relevância do convite feito pelo coletivo “UFBA pela Vida das Mulheres” para um lançamento na Universidade?

Carla: Primeiro, dizer que esta iniciativa é fundamental e que desconheço a existência de outra no país. O fato dela surgir na Bahia não pode estar desvinculado do fato de que, até pouco tempo, o estado com a maior população negra do país possuía uma das mais altas taxas de mortalidade por aborto. E também ao fato de que a UFBA possui o único programa com cursos de graduação, mestrado e doutorado em estudos sobre gênero, mulheres e feminismo do Brasil, possui o MUSA (Programa Integrado de Pesquisa e Cooperação Técnica em Gênero e Saúde), que integra o Instituto de Saúde Coletiva, que tem as mais altas avaliações pela sua produção científica, além do GEM (Grupo de Estudos sobre Saúde da Mulher), situado na enfermagem.

Saúde e educação de qualidade devem ser garantidas pelo Estado. São os principais bens que uma nação pode oferecer a seus habitantes. Num momento em que as universidades e a produção de conhecimento científico estão sob ataque justamente por parte daqueles que deveriam resguardá-las e planejar o seu fortalecimento, merecem ainda maior destaque todos os esforços que a comunidade universitária/científica tem feito para preservar a instituição, além de seguirem reforçando o seu papel na defesa e construção da democracia. É parte do projeto conservador impedir o avanço das ciências, limitar a capacidade das pessoas pensarem livre e criticamente, de se expressarem culturalmente.

Eu fico muito grata por ter a oportunidade de estudar na UFBA e honrada de poder retornar a ela o resultado do meu trabalho. Hoje, como todas as feministas do meu campo de atuação, estou também engajada nos movimentos em defesa da educação e da universidade.[:en]On September 28, World Day is celebrated in the fight for decriminalization and legalization of abortion. To discuss the issue, the Integrated Program for Research and Technical Cooperation on Gender and Health (MUSA) interviewed Carla Gisele Batista, author of the book “Feminist Action on Abortion: Movement and Institution”, launched last Friday, the 27th. at the ISC / UFBA auditorium.

Carla holds a degree in history from the Federal University of Pernambuco (UFPE) and a master’s degree in studies on women, gender and feminism from PPGNEIM / UFBA. Popular educator, researcher and feminist activist, she publishes the column Women in Movement in Folha de Pernambuco.

MUSA: What is the importance of September 28, the global date for the fight against decriminalization and legalization of abortion, in the current context of the country?

Carla:Dates like this call attention to the daily work done by women’s and feminist movements in defense of health, sexual and reproductive rights. The struggle for the right to abortion is fundamental because, on the one hand, it corresponds to autonomy over one’s own body and the free exercise of sexuality, on the other hand, it refers to the need to experience motherhood as a right and not as an imposition. This means having access to the information and means to plan reproduction and, in case of failure, to be able to decide to safely and safely terminate the unwanted pregnancy. In cases of desired motherhood, not being exposed to obstetric violence is an ideal to be pursued, so the repudiation of Resolution No. 2232 of the Federal Council of Medicine, published in July 2019. It also means being able to raise children under appropriate conditions. This includes, as the black women’s movements draw our attention, not being permanently concerned about whether they will return home alive.

In the current context, the highest authorities are committed to imposing a conservative, anti-rights and violent religious project for the country, focusing on women, LGBTI, black and indigenous people. In the name of a moral established by them, these leaders act to restrict rights already conquered and to avoid any advance in the field of human rights and democracy, that is, respectful coexistence between the diversities present in our society. I do not mean by this that we were living in an ideal situation, but it is undeniable that with the process of democratization, after the military dictatorship, the notion of the right to permeate the social fabric grew, which is in full recession at this time.

There is, however, increasing resistance. One example is the feminist youth collectives throughout the country which, while organizing themselves, establish networks of solidarity and support. This week of September 28, there will be festivals for women’s lives throughout the country, promoted by members of the National Front for non-criminalization of women and legalization of abortion. And good news yesterday (25) is that, despite the growth of conservative forces in our region, abortion was legalized up to 12 weeks by the Congress of the Mexican state of Oaxaca. By 24 votes in favor and 10 against, the Constitution was modified. This event is cause for celebration and renewal of energies to continue fighting.

MUSA: How did the book you are launching right now in Salvador come about?

Carla:The book is the result of research conducted for the PPGNEIM / UFBA Masters Degree. Interest in the subject comes from my activism. Since the 1990s, I have been active in the feminist movement and in defending health, sexual and reproductive rights. The work is a record of recent political history, with President Lula’s two governments at its center and the opening of new channels of dialogue between movements and the Executive through the creation of a National Secretariat of Policies for Women and the holding of policies for women (CNPM). In it, I sought to systematize the ways in which the movements act in search of changing the legislation that criminalizes abortion in Brazil, both from the approval of this demand in the I and II CNPMs (National Conferences of Policies for Women), This resulted in the creation of a Tripartite Commission for this purpose, as well as in the defense of new permissives, in the case of anencephaly before the Federal Supreme Court. I also address the organization of conservative forces that, if not then as evident as they were now, had already in the usurpation of women’s rights constituted a capital for strengthening political project.

The research was through documents and interviews with members of various fields of feminist movements, which allowed highlighting political tensions present in the tactical choices of these fields and interpretations about that conjuncture. I also sought to understand the government’s retreat from the contingencies imposed by the monthly scandal. I tried, from the distance allowed by the academic period, to demonstrate the contribution of the feminist political subject to the debate on democratization of society and institutions.

MUSA: What is the relevance of the invitation made by the collective “ UFBA for Women’s Life” for a launch at the University?

Carla: First, to say that this initiative is fundamental and that I am unaware of the existence of another in the country. The fact that it emerged in Bahia cannot be detached from the fact that, until recently, the state with the largest black population in the country had one of the highest abortion mortality rates. And also the fact that UFBA has the only program with undergraduate, masters and doctorate courses in studies on gender, women and feminism in Brazil, has the MUSA (Integrated Program for Research and Technical Cooperation in Gender and Health), which integrates the Institute of Collective Health, which has the highest evaluations for its scientific production, in addition to the GEM (Women’s Health Study Group), located in nursing.

Quality health and education must be guaranteed by the state. These are the main assets that a nation can offer its inhabitants. At a time when universities and the production of scientific knowledge are under attack precisely by those who should protect them and plan their strengthening, all the efforts that the university / scientific community has made to preserve the institution deserve even more prominence, They continue to reinforce their role in defending and building democracy. It is part of the conservative project to prevent the advancement of science, to limit people’s ability to think freely and critically, to express themselves culturally.

I am very grateful to have the opportunity to study at UFBA and are honored to be able to return to her the result of my work. Today, like all feminists in my field, I am also engaged in movements in defense of education and the university.[:es]El 28 de septiembre, se celebra el Día Mundial en la lucha por la despenalización y la legalización del aborto. Para discutir el tema, el Programa Integrado de Investigación y Cooperación Técnica sobre Género y Salud (MUSA) entrevistó a Carla Gisele Batista, autora del libro “Acción feminista sobre el aborto: movimiento e institución”, lanzado el pasado viernes 27. en el auditorio ISC / UFBA.

Carla tiene una licenciatura en historia de la Universidad Federal de Pernambuco (UFPE) y una maestría en estudios sobre mujeres, género y feminismo de PPGNEIM / UFBA. Educadora popular, investigadora y activista feminista, publica la columna Mujeres en movimiento en Folha de Pernambuco.

MUSA: ¿Cuál es la importancia del 28 de septiembre, la fecha global para la lucha contra la despenalización y la legalización del aborto, en el contexto actual del país?

CarlaFechas como esta llaman la atención sobre el trabajo diario realizado por los movimientos feministas y de mujeres en defensa de la salud, los derechos sexuales y reproductivos. La lucha por el derecho al aborto es fundamental porque, por un lado, corresponde a la autonomía sobre el propio cuerpo y al ejercicio libre de la sexualidad, por otro lado, se refiere a la necesidad de experimentar la maternidad como un derecho y no como una imposición. Esto significa tener acceso a la información y los medios para planificar la reproducción y, en caso de falla, poder decidir interrumpir de manera segura el embarazo no deseado. En casos de maternidad deseada, no exponerse a la violencia obstétrica es un ideal a perseguir, por lo que se repudia la Resolución No. 2232 del Consejo Federal de Medicina, publicada en julio de 2019. También significa poder criar niños en condiciones apropiadas. Esto incluye, a medida que los movimientos de mujeres negras llaman nuestra atención, no estar permanentemente preocupados sobre si regresarán a casa con vida.

En el contexto actual, las más altas autoridades se han comprometido a imponer un proyecto religioso conservador, anti derechos y violento para el país, centrado en las mujeres, los LGBTI, los negros y los indígenas. En nombre de una moraleja establecida por ellos, estos líderes actúan para restringir los derechos ya conquistados y para evitar cualquier avance en el campo de los derechos humanos y la democracia, es decir, la convivencia respetuosa entre las diversidades presentes en nuestra sociedad. No quiero decir con esto que vivíamos en una situación ideal, pero es innegable que con el proceso de democratización, después de la dictadura militar, creció la noción del derecho a impregnar el tejido social, que está en plena recesión en este momento.

Hay, sin embargo, una resistencia creciente. Un ejemplo son los colectivos de jóvenes feministas en todo el país que, mientras se organizan, establecen redes de solidaridad y apoyo. Esta semana del 28 de septiembre, habrá festivales por la vida de las mujeres en todo el país, promovidos por miembros del Frente Nacional para la no criminalización de las mujeres y la legalización del aborto. Y una buena noticia ayer (25) es que, a pesar del crecimiento de las fuerzas conservadoras en nuestra región, el Congreso del estado mexicano de Oaxaca legalizó el aborto hasta 12 semanas. Por 24 votos a favor y 10 en contra, se modificó la Constitución. Este evento es motivo de celebración y renovación de energías para seguir luchando.

MUSA: ¿Cómo surgió el libro que estás lanzando ahora en Salvador?

CarlaEl libro es el resultado de una investigación realizada para el Máster PPGNEIM / UFBA. El interés en el tema proviene de mi activismo. Desde la década de 1990, he estado activa en el movimiento feminista y en la defensa de los derechos de salud, sexuales y reproductivos. El trabajo es un registro de la historia política reciente, con los dos gobiernos del presidente Lula en su centro y la apertura de nuevos canales de diálogo entre los movimientos y el Ejecutivo a través de la creación de una Secretaría Nacional de Políticas para la Mujer y la celebración de políticas para la mujer (CNPM). En él, traté de sistematizar las formas en que los movimientos actúan en busca de cambiar la legislación que penaliza el aborto en Brasil, tanto desde la aprobación de esta demanda en las I y II CNPM (Conferencias Nacionales de Políticas para Mujeres), Esto resultó en la creación de una Comisión Tripartita para este propósito, así como en la defensa de nuevos permisos, en el caso de anencefalia ante la Corte Suprema Federal. También me refiero a la organización de fuerzas conservadoras que, si no entonces, tan evidentes como lo fueron ahora, en la usurpación de los derechos de las mujeres constituyeron una capital para fortalecer el proyecto político.

La investigación fue a través de documentos y entrevistas con miembros de varios campos de movimientos feministas, lo que permitió resaltar las tensiones políticas presentes en las elecciones tácticas de estos campos e interpretaciones sobre esa coyuntura. También traté de comprender la retirada del gobierno de las contingencias impuestas por el escándalo mensual. Intenté, desde la distancia permitida por el período académico, demostrar la contribución del sujeto político feminista al debate sobre la democratización de la sociedad y las instituciones.

MUSA: ¿Cuál es la relevancia de la invitación hecha por el colectivo ” UFBA for Women’s Life” para un lanzamiento en la Universidad?

Carla: Primero, decir que esta iniciativa es fundamental y que desconozco la existencia de otra en el país. El hecho de que surgió en Bahía no puede separarse del hecho de que, hasta hace poco, el estado con la población negra más grande del país tenía una de las tasas de mortalidad por aborto más altas. Y también el hecho de que UFBA tiene el único programa con cursos de pregrado, maestría y doctorado en estudios sobre género, mujer y feminismo en Brasil, cuenta con el MUSA (Programa Integrado de Investigación y Cooperación Técnica en Género y Salud), que integra El Instituto de Salud Colectiva, que tiene las más altas evaluaciones para su producción científica, además del GEM (Grupo de Estudio de Salud de la Mujer), ubicado en enfermería.

La salud y la educación de calidad deben ser garantizadas por el estado. Estos son los principales activos que una nación puede ofrecer a sus habitantes. En un momento en que las universidades y la producción de conocimiento científico están siendo atacadas precisamente por quienes deberían protegerlas y planificar su fortalecimiento, todos los esfuerzos que la comunidad universitaria / científica ha realizado para preservar la institución merecen aún más importancia, Continúan reforzando su papel en la defensa y construcción de la democracia. Es parte del proyecto conservador para evitar el avance de la ciencia, limitar la capacidad de las personas para pensar libremente y de manera crítica, expresarse culturalmente.

Estoy muy agradecido de tener la oportunidad de estudiar en UFBA y me siento honrado de poder devolverle el resultado de mi trabajo. Hoy, como todas las feministas en mi campo, también participo en movimientos en defensa de la educación y la universidad.[:]