No terceiro dia do Congresso UFBA 2023, a política de insegurança alimentar na Bahia e as condições de vida e saúde de comunidades quilombolas foram temas de debate na programação do Instituto de Saúde Coletiva (ISC). Na quinta-feira (16), discussões envolvendo estudantes, docentes e representantes de comunidades apontaram que a necessária aproximação da universidade com problemas da sociedade precisa ser fortalecida.

Na mesa que discutiu “Condições de vida e saúde de comunidades quilombolas da Bahia”, Franciele Silva, estudante de direito da UFBA e representante da Associação de Remanescentes do Quilombo Rio dos Macacos, comunidade localizada no município de Simões Filho (BA), expôs como o cenário de disputa de território com a Marinha tem causado impactos como a falta de acesso a direitos básicos e diversas violências. Os embates, que seguem no Judiciário, envolvem a construção de uma represa no meio da região, com consequentes dificuldades de acesso ao Rio dos Macacos, essencial para a subsistência da comunidade, e o controle de entrada no local onde a população vive feito pela Marinha.

No âmbito da saúde, a aluna destacou obstáculos inclusive para acesso de ambulâncias do SAMU na região, que não tem esgotamento sanitário nem apoio de políticas e programas públicos. Nesse cenário, a representante destacou o potencial de que dados produzidos na universidade sobre as comunidades apoiem demandas por acesso a direitos, mas pontuou que o retorno de resultados de pesquisas desenvolvidas não tem acontecido.

Liderança do Quilombo Kaonge e integrante do Conselho Quilombola da Bacia e Vale do Iguape, da região do Recôncavo da Bahia, Ananias Viana avaliou o congresso como uma oportunidade de ligação entre alunos, docentes e comunidades e de partilha de saberes. O líder quilombola fez críticas ao não compartilhamento do conhecimento produzido pela universidade e à formação individualista do modelo de educação tradicional. Viana ressaltou que é preciso trabalhar a educação em diálogo com as comunidades, formando profissionais que atuem pensando na coletividade e entendam que estas também produzem saberes e fazeres que devem ser considerados por alunos e docentes.

Para Vanessa Rocha, docente da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e doutoranda no ISC que também integrou a mesa, a extensão universitária é um dos caminhos mais efetivos para a prática de um ensino que fomente o trabalho em comunidades, mas não deve ser a única alternativa. A docente e vice-diretora do ISC, Joilda Nery, à frente de um estudo sobre saúde das comunidades quilombolas que está em andamento, apontou que o fortalecimento das tecnologias sociais, presentes nas comunidades, é um dos principais desafios que devem ser considerados na pesquisa.

A pesquisadora indicou o diálogo com a gestão, um dos objetivos do estudo, como questão central. “O avanço na compreensão das condições de vida e de saúde, com o levantamento de dados e geração de evidências, é um passo para apoiar a gestão e viabilizar a construção futura de políticas públicas”, concluiu.

Insegurança alimentar e a articulação de interesses sociais e científicos

A mesa sobre insegurança alimentar na Bahia expôs o trabalho realizado por alunos de graduação do curso de Medicina e do Bacharelado Interdisciplinar (BI) em Saúde junto com a professora Ana Souto durante o semestre 2022.2. Para a docente do ISC, o tema da pesquisa “se impôs” diante do grave cenário no país.

O levantamento de informações foi realizado a partir de entrevistas com as coordenações do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea-BA) e da Superintendência de Inclusão e Segurança Alimentar (SISA) da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do Estado da Bahia (SJDHDS), com trabalhadores dos restaurantes populares geridos pela secretaria e com usuários dos espaços, além de visitas ao restaurante localizado no bairro do Comércio, em Salvador.

Entre os usuários dos restaurantes, foram apontados boa receptividade e impactos positivos da estratégia, tanto na qualidade da alimentação quanto sobre a vida pessoal e comunitária. Há acompanhamento nutricional no preparo das refeições oferecidas a preço popular de R$ 1, com variedade de alimentos e valorização de datas festivas.

No âmbito da gestão, a mesa, que contou também com a participação das estudantes do BI-Saúde Adriana Nunes e Lavínia Carneiro, apontou que governos estaduais na Bahia têm se voltado para o enfrentamento da fome e da insegurança alimentar com políticas que foram mantidas mesmo com a falta de prioridade para a área do último governo federal. Há um conjunto de políticas articuladas e um ordenamento jurídico voltado para a questão, como a lei 11.046/2008, que cria o Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional.

No cenário marcado com a volta oficial do Brasil ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2022, ano em que 125,2 milhões de pessoas se encontravam em situação de insegurança alimentar no país – 33 milhões delas em situação grave -, segundo a Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), o debate destacou o papel da universidade em se debruçar sobre questões que têm impactado a sociedade, analisando políticas, situações de saúde e discutindo alternativas.