Da esquerda para a direita: Jurandi Frutuoso (Conass), Eduardo Mota (UFBA), Érika Aragão (ABrES), Adélia Pinheiro (Sesab), Luis Eugenio de Souza (ISC/UFBA) e Maurício Barreto (Cidacs/Fiocruz Bahia) / Foto: Luciana Sapucaia

Oferecer estabilidade ao gasto público federal a partir de uma nova regra de piso para o Sistema Único de Saúde (SUS). Essa é uma das metas da proposta de financiamento para a saúde elaborada pela Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES) e levada à discussão no seminário “Nova Política de Financiamento da Saúde: concepções e diretrizes”, realizado na última sexta-feira (22), no auditório da Biblioteca Universitária de Saúde Prof. Álvaro Rubim de Pinho, no campus da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador.

Na abertura do evento, a presidente da ABrES, Érika Aragão, falou sobre a importância de traçar caminhos para garantir a sustentabilidade do SUS e um novo modelo de política que garanta maior participação do Estado. “Esse encontro é a materialidade de um trabalho que vem sendo realizado ao longo dos últimos dois anos, de pensar e elaborar uma nova política de financiamento para o SUS. As críticas e sugestões serão fundamentais para a construção de uma proposta sustentável e coletiva”, disse.

Na ocasião, o pró-reitor de Planejamento e Orçamento da UFBA, Eduardo Mota, destacou o contexto de cortes orçamentários, especialmente nas áreas da saúde e educação. Para o professor, a pandemia de Covid-19 tornou ainda mais urgente a mudança da política de financiamento adotada no país. “Graças ao SUS e à educação pública, nós conseguimos enfrentar a pandemia. As universidades, através das pesquisas; o SUS, salvando vidas”, pontuou.

A mesa de abertura também contou com a participação do diretor do Instituto de Saúde Coletiva e representante da Frente Pela Vida, Luis Eugenio de Souza; o secretário executivo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Jurandi Frutuoso; o coordenador do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), Maurício Barreto; e Roberto Tapia, represente da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

O teto fiscal e o agravo das desigualdades

Economista Juliane Furno, chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE). Foto: Luciana Sapucaia

“O teto fiscal é um remédio amargo que não resolve e ainda aprofunda os problemas”. A declaração é da economista Juliane Furno, chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), durante a conferência de abertura “Desenvolvimento, saúde e combate à desigualdade”.

Na apresentação, a economista abordou os conceitos e efeitos das desigualdades, as características estruturais do capitalismo brasileiro, além de fomentar a discussão sobre o impacto das políticas sociais sobre as desigualdades e o uso das políticas fiscais como estratégias para o enfrentamento das iniquidades e possibilidades de desenvolvimento.

Entre os principais entraves econômicos, Juliane Furno chamou atenção para a Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos em saúde, educação e outras áreas sociais até 2036, com a justificativa de fazer o governo economizar. No entanto, a mudança do regime fiscal tem resultado em uma série de agravos à população, inclusive, com riscos em relação à privatização da saúde.

“O teto de gastos limita a capacidade da democracia e de setores importantes, como a saúde e a educação, de cumprirem seu papel de redutores das desigualdades sociais, assim como a possibilidade de que o Estado possa continuar gestando essas políticas públicas fundamentais para a população”.

Nova regra de piso para o SUS

A nova política de financiamento para o SUS foi apresentada pelo vice-presidente da ABrES, Francisco Funcia, que coordenou a elaboração da proposta. O documento base, levado à apreciação no evento, tem 32 páginas e destaca desde as diretrizes da nova política sugerida, aos impactos da mudança em diferentes cenários, além de detalhar as dimensões da proposta nos âmbitos fiscal e tributário.

Vice-presidente da ABrES, Francisco Funcia. Foto: Luciana Sapucaia

A proposta da ABrES é assinada também pelos economistas Bruno Moretti, Carlos Ocké, Érika Aragão, Esther Dweck, Maria Fernanda Godoy Cardoso de Melo, Mariana Melo e Rodrigo Benevides. “O documento segue o movimento histórico da Reforma Sanitária Brasileira em defesa do SUS e do Orçamento da Seguridade Social e partiu do acúmulo técnico e político produzido pelo Movimento Saúde +10, encabeçado pelo Conselho Nacional de Saúde e pelas entidades da sociedade civil organizada”, disse Funcia.

O objetivo principal da proposta é conferir estabilidade ao gasto público federal em saúde no longo prazo, a partir de uma nova regra de piso para o SUS.  Sugere também a revogação da Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos públicos em vinte anos, assim como da EC 109, de 2021, e da chamada “regra de ouro”, que limita o endividamento para financiar despesas correntes.

“Originalmente, nós estamos trabalhando em uma proposta de transição de dez anos, para que as finanças públicas federais possam se acomodar melhor e encontrar as formas para aumentar essa participação. Mas se houver condições objetivas, podemos fazer isso em um prazo menor”, pontuou.

Segundo levantamento da ABrES, estima-se que a política fiscal atual seja responsável por uma perda de R$ 48 bilhões na saúde entre 2018 e 2022. Os dados apresentados revelam ainda queda de gastos per capita no setor. Em 2012, o valor médio de gastos na saúde por brasileiro foi de R$ 687,00; em 2021, os gastos caíram para R$ 617,00 (já excluídos os valores relacionados à Covid-19).

Ao avaliar o funcionamento do modelo de financiamento federativo, Funcio também chamou atenção para o impacto dos cortes das despesas da saúde do governo federal sobre os estados e municípios, e o agravamento diante da crise econômica nos últimos anos e da pandemia. “É necessária uma política fiscal mais flexível, seguindo uma dinâmica do cenário internacional, garantindo mais inclusão social e sustentabilidade ambiental, sem abrir mão do fortalecimento de gastos estratégicos”, destacou.

Ainda considerando o cenário da Covid-19, a proposta prevê a aprovação de uma PEC emergencial, autorizando gasto extraordinário fora da regra de ouro, do teto e do primário em 2023, tendo em vista, de um lado, as sequelas da Covid-19, as demandas reprimidas, o reajuste dos planos privados de saúde e, de outro, o impacto da saúde sobre o nível de emprego e o combate à desigualdade.

Metodologia para o novo piso

Partindo da média da despesa empenhada entre 2020 e 2022, a nova regra pretende repor a inflação do período anterior (IPCA), acrescer a taxa de crescimento da população idosa (proxy da transição demográfica) e aplicar um fator de correção de iniquidade no acesso à saúde. “A ideia é garantir que os valores federais aplicados em saúde cresceriam, no mínimo, a uma taxa relacionada à evolução real dos gastos tributários associados a despesas médicas no Imposto de Renda da Pessoa Física verificada no passado”, explica Funcio.

Para isso, a equipe de economistas elaborou três cenários no cálculo do fator de correção de iniquidades: 2,25% (metade do crescimento médio anual real do gasto tributário com despesas médicas no IRPF entre 2004 e 2019), 3,4% (metade do crescimento médio anual real do gasto tributário com planos de saúde no IRPF entre 2004 e 2018) e 4,68% (percentual abaixo da taxa de crescimento das renúncias com planos de saúde no IRPF, mas suficiente, sob determinadas hipóteses, para que o gasto público alcance 60% do gasto total de saúde).

Atualmente, o gasto federal com a saúde representa 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB). A partir das propostas apresentadas, em um prazo de dez anos, o gasto chegaria a 2,4% do PIB (no cenário 1), 2,7% (no cenário 2) e 3% do PIB (no cenário 3).

Em relação às fontes de custeio, a proposta também prevê ampliar a progressividade do sistema tributário, taxando renda, patrimônio e riqueza financeira (Imposto de Renda sobre lucros e dividendos e Imposto sobre Grandes Fortunas), assim como rever os gastos tributários em saúde (teto das renúncias de saúde no IRPF) e ampliar a destinação de recursos de pré-sal para a saúde. “Mais de R$ 40 bi dos recursos do pré-sal foram destinados a pagamento da dívida”, aponta Funcio.

Desdobramentos das discussões

Após a apresentação, foram realizadas oficinas de trabalho com o objetivo de discutir a proposta e trazer novas contribuições para o aperfeiçoamento do documento. O evento contou com a participação de pesquisadores, gestores, parlamentares e entidades ligadas ao movimento da Reforma Sanitária.

As sugestões foram analisadas para incorporação ao documento e o consenso pactuado com as entidades participantes da discussão também foi apresentado à Etapa Nacional da Conferência Livre, Democrática e Popular de Saúde, evento promovido pela Frente Pela Vida e realizado no dia 5 de agosto, na cidade de São Paulo.

“A proposta da nova política de financiamento também será entregue aos candidatos à presidência progressistas e que demonstrem comprometimento com o Sistema Único de Saúde em seus programas de governo”, afirma Érika Aragão.

Para acessar o documento com a versão final da proposta, clique aqui.

Abaixo, você também confere o vídeo da transmissão do seminário: